sexta-feira, abril 27, 2007

A endogamia em Ciência

A leitura dos documentos de seriação de candidatos de um recente concurso para Profº Associado de uma Universidade pública portuguesa conduziram-me às seguintes conclusões.
As nossas Universidades públicas são autogâmicas, funcionam viradas para dentro, com os seus e só para alguns dos seus.
São Academias formadas por um conjunto de cientistas altamente graduados, doutorados com agregação e catedráticos que funcionam em corporação particular.
O paradoxo desta singularidade, em instituições que se pretendem Universitárias, universais na ciência que elaboram e que ministram, é patente nos concursos de admissão para professores, Associados ou Catedráticos.
A regra nº 1 nas Universidades públicas portuguesas é a abertura de concursos nacionais democraticamente abertos a todos desde que, à partida, se assegure os critérios particulares para a escolha dos membros do júri das provas, os quais irão estabelecer os seus indicadores de seriação dos candidatos.
Aparentemente, e pelas razões abaixo indicadas, os nossos universitários não gostam de critérios universais para a escolha dos membros de júris académicos e não gostam de indicadores universais de seriação de candidatos.
Se existisse um critério universal de escolha dos membros do júri, como por exemplo, escolher aleatoriamente de entre uma lista de académicos reconhecidos internacionalmente, cientificamente produtivos no domínio científico em apreço, muitos compadrios seriam eliminados das nossas Universidades.
De contrário, a Academia é endogâmica e não aprova um Profº mais competente, científica e intelectualmente que qualquer um dos seus colegas, membros do júri.
As Universidades públicas estabelecem as regras particulares de uma corporação singular, a corporação dos seus Profº Catedráticos e Associados, a qual determina quais os critérios de admissão a membro do seu júri e quais os indicadores de seriação dos seus candidatos.
Os indicadores geralmente considerados universais em Ciência e Tecnologia tais como o número de publicações, o número de citações nas revistas do domínio científico e a percentagem de artigos não citados relativamente ao total de publicações constituem indicadores que são muitas vezes preteridos pela Academia portuguesa, sendo substituídos por outros mais ajustados ao candidato que se pretende aprovar.
Estas práticas endogâmicas nas Universidades públicas são visíveis há décadas, particularmente na escolha dos cargos de topo da hierarquia académica.
Ao fim de dezenas de anos são os mesmos e os seus escolhidos que irão repetir as mesmas regras particulares de escolha dos seus futuros Profº Associados e Catedráticos. Garantem assim, a eliminação sistemática dos seus velhos colegas de curso, eternamente Profº Auxiliares com Agregação.
Escolhem-se candidatos que cumprem regras particulares, estabelecidas por um júri previamente auto-nomeado e que concordou com tais critérios. Isto é, no concurso nº2 o Profº B aprova o afilhado do Profº A, porque no concurso nº1 o Profº A já favoreceu e aprovou o afilhado do Profº B. Assim, eliminam-se os candidatos com o dobro de publicações científicas, e com a mesma prova documentada de que dois mais dois são quatro, através de uma seriação imaginativa, moldada ao gosto do júri.
O candidato eleito irá reproduzir no futuro os mesmos critérios, deliberadamente não universais, e ficará moralmente ligado a elos académicos singulares, que se auto-sustentam, num sistema universitário autogâmico.
Os melhores do ponto de vista científico, pedagógico, humano e ético vão ficando para trás, tentando contrariar um envelhecimento natural com a manutenção de uma actividade científica de topo, o que lhes confere a competência para manifestarem a sua indignação contra a ignomínia.
Pactuar com tais singularidades numa Academia que se pretende universal mas que funciona em corporação autogâmica, é estar de acordo com a falta de idoneidade das nossas instituições universitárias, sendo eticamente reprovável.
A manutenção de práticas académicas endogâmicas é insustentável e escandalosa.
As Universidades públicas portuguesas têm de ser instituições idóneas, reconhecidas pelo seu carácter universal, habilitadas ao ensino e à investigação. Não podem continuar a pactuar com práticas corporativas de reduzido mérito científico e de reduzido valor moral.

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