segunda-feira, fevereiro 05, 2007

SOMOS TODOS DIVINOS

Teresa Sá e Melo, 5 de Fevereiro de 2007

Após a 2ª Guerra mundial, os proprietários do mundo, quase todos os países ocidentais tiveram um gesto magnânimo e concederam o voto às mulheres e o direito de cidadania às suas concidadãs.
Nesse tempo longínquo, estes países ocidentais uniformizaram-se quanto às regras penais a aplicar às mulheres que abortavam. Posteriormente, há cerca de trinta anos, os mesmos países ocidentais uniformizaram-se de novo, desta vez quanto às regras de despenalização das mesmas mulheres que continuavam a abortar.
O aborto era, e sempre foi, uma questão de foro íntimo, individual. De quem? Desses seres humanos ausentes, politicamente inexistentes, sem palavras nem consciência. Portanto, cabia ao mestre, ao patrão, ao pai, etc, em suma, ao Estado, enquadrar e balizar as acções destas mulheres.
O Estado não mudou de opinião sobre a não consciência, a não civilidade, a não vontade das mulheres. Inventou outra filosofia jurídica e abortou a lei. Hoje o mesmo Estado patriarcal não sabe como descalçar a bota. É uma lei não lei.
Se naquele tempo longínquo do após guerra, em 1945, os países europeus tivessem sido governados por mulheres colocar-se-ia a questão do enquadramento legal do aborto? Claro que não! Mas o mundo ocidental está cheio de aprendizes de Salazar. Não têm memória. Não têm palavras. Não são livres.
Sou ausente deste mundo sem memória. Deste mundo de interesses e de ódio travestido em bondade. Sobre o aborto já não há palavras. O mundo de hoje já não as tem. Porque os poetas naturalmente se ausentaram e fazem-nos falta.
Estamos reduzidos a um mundo hostil à palavra. Reduzidos à trivialidade palavrosa.
Na antiguidade, os males da humanidade tinham uma origem divina. Era o castigo dos Deuses. No mundo greco-romano, eram vários os Deuses. A sua ira era apaziguada com ofertas que esconjuravam o mal.
O mundo ocidental, aquele que hoje conhecemos teve como pricípio o verbo. Era Deus, o nosso mundo começou com um único Deus. Os homens odiaram-se invocando o seu nome. A humanidade dividiu-se entre aqueles que o mataram e aqueles que o ressuscitaram.
Actualmente, esse Deus único desapareceu do Ocidente. Foi substituído por outra crença, - a do princípio universal da democracia. Isto é, todos os homens são divinos, corolário evidente deste princípio universal. A grande Natália Correia tinha-o percebido há muito.
Hoje somos todos criaturas divinas. Já ninguém detém o respeito do outro. Não há Deus.
Somos as criaturas de uma outra criatura qualquer. Mas esta criatura qualquer tem um grupo de identificação política, que a nomeia e defende palavrosamente.
Todas as outras criaturas não identificadas, não existem. Não têm nome. Este é o princípio que tem como corolário que todas as criaturas não identificadas, não só não existem como não têm consciência, não têm vontade, não têm existência política.
A desmesura e a arrogância da criatura qualquer e do seu grupo é a exacta medida da vontade em substituir aquele Deus único, hoje inexistente.
As mulheres continuarão a abortar voluntariamente e deixarão às outras criaturas, também elas filhas de uma criatura qualquer, a arrogância de pretenderem substituir-se ao Deus único e à Sua ira.

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