quinta-feira, março 09, 2006

O silêncio dos cristais

O silêncio dos cristais

sexta-feira, março 03, 2006

Os cães de Pavlov

Este texto foi escrito em Janeiro de 2003 no âmbito de um Fórum criado para discutir a revisão dos Estatutos da Carreira Docente Universitária. Infelizmente, continua actual...:

Os cães de Pavlov

Após a recepção de inúmeras mensagens a propósito da proposta de Reflexão sobre
a Universidade, recebi finalmente a dita proposta (não sei o que terá
corrido mal para não a receber ao mesmo tempo dos outros colegas…) e vou
reflectir sobre três pontos que me marcaram particularmente:
1º) A admissão na Carreira: fiquei a saber que um dos grandes males da
Universidade é o “inbreeding” que os autores da proposta, creio que por
pudor, traduzem por consaguinidade mas que os dicionários dizem, preto
no branco, tratar-se de procriação consaguínea. Qualquer coisa, assim,
próxima do incesto. Credo! Cruzes canhoto! proponho que se faça já um
rastreio a toda a Universidade e se expulsem todos os frutos dessas
relações incestuosas da nossa Universidade. E a partir de agora que se
apliquem novos critérios de seriação de candidatos:
- Em primeiríssimo lugar aqueles que tenham feito toda a sua formação
no estrangeiro (de preferência nos States, que foi sítio onde os
portugueses da Descobertas não andaram…), que não tenham nascido em
Portugal e, de preferência que não tenham, até à 4ª geração, nenhum
antepassado português.
- Serão sucessivamente factores de relegação para lugares recuados, o
ter antepassados portugueses, o ter nascido em Portugal, o ter
frequentado a Infantil em Portugal, o Ensino Primário, e por aí fora,
até ao doutoramento.
- Serão excluídos do concurso todos os candidatos que acumularem todas
as características anteriores e ainda o post-doutoramento em Portugal.
Esta última não é inocente: é que olhando para o meu caso pessoal, que
tenho antepassados exclusivamente portugueses, pelo menos até 4 gerações
antes de mim, nasci em Portugal e fiz toda a formação em Portugal, tive
a “esperteza” (ou não tivesse eu nascido na região saloia...) de me ir
post-doutorar no estrangeiro. Embora tenha sido num país europeu, onde,
ainda por cima não se fala inglês, talvez dê à justa para passar
incólume no tal rastreio.
2º) A mobilidade – É indispensável que haja mobilidade para se atingir a
excelência. Quer dizer, se lá estivéssemos (na excelência) não
precisávamos de nos mover. Mas quando se parte da mediocridade,
obviamente é preciso que a Universidade se mova. Como um todo? Não. Como
os físicos bem sabem, basta que haja uns portadores. Quem são? As ondas
electromagnéticas, os electrões na banda de condução e as lacunas na
banda de valência, para transportarem as ideias de uns sítios para os
outros? Não. Isso também era rapidez a mais. São uns indivíduos com
dezenas de quilos, alguns bem entradotes em anos (como é o caso da
escriba), que vão mover-se de uns sítios para os outros até encontrarem
uma estação (ou será apeadeiro) chamada Excelência. Nossa Excelência.
Como sou só Professora Auxiliar, tenho o raciocínio mais perro do que o
dos cérebros brilhantes que diariamente nos ofuscam na Universidade
Portuguesa e, por isso, levei algum tempo a perceber a estratégia que
estaria por trás da escolha de tais portadores. Mas de repente
lembrei-me de uma, também brilhante, declaração do Presidente da Câmara
de Castelo de Paiva quando interrogado sobre o que pensava do fecho da
Clark’s :“- É uma tragédia superior à da queda da ponte de
Entre-os-Rios” (se o homem ainda não é Professor Honoris-Causa de
nenhuma Universidade, proponha-se já. Qualquer serve, não sou dada a
regionalismos). É isso: ao obrigar os professores auxiliares a
deslocarem-se com frequência nas estradas portuguesas, a probabilidade
de morrerem pelo caminho é grande e lá se cria uma vagazinha para um
jovem brilhante. Antes uma morte que um desempregado. Como estratégia
não podia ser melhor. Sugeriria neste caso que os viajantes não tivessem
liberdade de escolha do trajecto. Ele seria criteriosamente escolhido
pelas grandes mentes da Universidade (que não esqueceriam, certamente, a
inclusão do IP5).
3º) A precaridade (ou precariedade? Não tive tempo para consultar essa
“Bíblia" que é o Dicionário do Casteleiro...) – Este é um ponto
ligadíssimo ao anterior. Como obrigar os Professores Auxiliares, essa
espécie empecilhante, desqualificada da Universidade, a fazer alguma
coisa de jeito e, de uma vez por todas, começar a conduzir a
Universidade em direcção à Excelência? Obviamente, mantendo-os em
situação precária. Todas as pessoas cultas dos dias de hoje sabem que a
precaridade é o melhor estímulo para a mobilidade. E as duas dades
juntas são a mezinha milagrosa para todos os problemas de falta de
excelência. A economia portuguesa (exceptuando a Função Pública) já
aprendeu bem a lição: pode ler-se no caderno “Emprego” do Expresso deste
fim de semana (18/01/2003) que um estudo Eurostat revela que “Portugal é
o segundo país da UE com a maior força laboral flexibilizada”. Daí a
excelência de todos os parâmetros económicos, sociais, culturais, etc.
do país. A UE tem muito a aprender connosco! Na Função Pública, estou
persuadida de que o modelo também será adoptado e é para mim um grande
motivo de orgulho ser pioneira na experiência. Infelizmente, que burra,
até hoje não aproveitei essa precaridade para me mover. Agora é que me
apercebo de como a qualidade (e quantidade) do meu trabalho científico e
pedagógico teria aumentado se, aproveitando a privilegiada situação
precária, tivesse concorrido a um lugar de Professor Coordenador de um
qualquer Instituto Superior (a quê?) ou a um lugar de Professor
Associado (quiçá Catedrático) da Universidade de À dos Cunhados de Baixo
(não sei se existe tal localidade mas se existe tem, com certeza, uma
Universidade ou, pelo menos, um pólo - ou, pelo menos uma t-shirt –
Universitário). Foi um desperdício que os colegas que se moveram dentro
da escola para os lugares de Associado e Catedrático, coitados, não me
perdoam, de certeza. Tivessem eles tido essa oportunidade e lá estariam
na Universidade de Freixo-de-Espada-à-Cinta, na da Venda das Raparigas,
etc. em vez de estarem a emperrar o avanço do IST da excelência para a
magnificência. Assim limitam-se a mover-se nos corredores do Poder. As
minhas públicas desculpas!

E agora falando em tom mais sério:
Estou genericamente de acordo com o colega Mário Graça quando aponta
como problema prévio a resolver o da precaridade. A vossa proposta não
só não propõe a sua resolução mas antes a sua agudização através da
competição desenfreada (tipo luta de galgos). Uma Universidade que se
esquece de que grande parte dos seus agentes (os professores auxiliares)
são pessoas e não cães (cadelas) de Pavlov, nunca atingirá coisa nenhuma
a não ser, eventualmente, um lugar num qualquer canil. Municipal. E o
pior é que alguns deles até se comportam como tal. Para os colegas de
condição. Estão sempre a tentar morder. Alguns dirão que eu só ladro. E
cão que ladra... Estão enganados. Eu sou uma pessoa. Digna. E até
morrer, di-lo-ei sempre a torto e a direito. Incomode quem incomodar.
É claro, que isso não impede que se reflicta sobre a Universidade. Antes
durante e depois da resolução de uma das maiores injustiças da
Universidade Portuguesa (talvez a maior de todas). Até porque a
Excelência (seja lá isso o que for), cheira-me que é tudo menos
estática. E, é por isso, preciso estar sempre atento. Agora não pensem
que será através da competição desenfreada que chegam a ou mantêm a tal
Excelência. Dou-vos alguns exemplos dos efeitos perversos da competição
desenfreada (que vocês conhecem, com certeza): a dedicação às tarefas de
ensino, sobretudo no que diz respeito ao atendimento de alunos,
reduziu-se em muitos casos a níveis inaceitáveis em nome da competição.
É que “rende” mais escrever artigos do que conversar com os alunos
tentar entender as suas dúvidas, tratá-los como pessoas. Falar sobre o
trabalho científico em curso, fala-se cada vez menos abertamente porque
o vizinho do lado pode captar a ideia e, porque tem mais meios, pô-la em
prática antes e ver-se assim ultrapassado. Que contributo positivo para
a troca de ideias!
Um outro aspecto que aparece a montante de tudo isto é o estado da
justiça em Portugal. Não vale muito a pena mudar leis, aperfeiçoá-las
até à exaustão se depois não temos mecanismos para as fazer cumprir (a
este respeito, aconselho-vos a leitura na rubrica “Correio dos Leitores”
do Independente da passada 6ª Feira, 17/01/03 da carta intitulada “A lei
é ilegal” da autoria da nossa colega Teresa Sá e Melo). Dir-me-
-ão: mas esse é um problema exterior à Universidade. Não o podemos
resolver. Não será tanto assim: nós somos cidadãos deste país.
Manifestamo-nos (e ainda bem) por tantas causas exteriores ao país.
Porque não constituir um movimento cívico que denuncie todas as
situações escabrosas de que se tem conhecimento em todo o país, com
nomes, para que os senhores magistrados e os senhores Procuradores
percebam que acima deles há alguém: os cidadãos que através dos seus
impostos lhes pagam os chorudos salários, emolumentos e quejandos bem
como os três meses de férias de que usufruem todos os anos? Se virem bem
a lista de males Universitários enunciada por alguns dos colegas que têm
participado na discussão tem muito mais a ver com a nossa incapacidade
para fazer cimprir leis do que com as próprias leis.
Por outro lado, é bom termos sempre presentes as questões de escala. E o
que é bom e funciona nos States, pode ser desastroso num país com a
dimensão do nosso. Basta pensar na constituição dos júris de avaliação
do que quer que seja. Alguns dos nossos Professores Catedráticos, dos
que ainda gostam de trabalhar apesar da ausência de estímulo, queixam-se
amargamente da falta de tempo para reflectirem sobre ciência por haver
constantemente uma avaliação desconhecida (prova de doutoramento, prova
de agregação, avaliação de cursos, avaliação de Centros...) que espera
por eles...

Finalmente queria dar os parabéns à equipa que lançou este debate que me
tirou da acomodação habitual e me levou a passar a escrito algumas das
“bocas” que vou dizendo. Algumas das propostas têm até aspectos muito
importantes como, por exemplo, a possibilidade de inversão da pirâmide,
questão de que já se fala há muito tempo mas, que, pelos vistos, mete
medo a muita gente. Terão medo que a “base” lhes caia em cima da cabeça?
Vão ao Louvre e vão ver a beleza de uma pirâmide invertida. Em termos de
pirâmides, não existe só o Egipto de há três mil anos.
Bem, e agora tenho de trabalhar.

Saudações Académicas.

quinta-feira, março 02, 2006

Eu lamento

(Publicado em O Independente, 30 Nov. 2001 por Teresa Sá e Melo)

Lamento, mas pela 1ª vez ao fim de 27 anos o meu voto não será à esquerda.
Lamento ter de dizer a todas as minhas amigas, feministas e de esquerda, que o acordo de cavalheiros estabelecido publicamente para a autarquia de Lisboa é uma vergonha.

Lamento que o melhor programa proposto pelo Miguel Portas para a cidade de Lisboa tenha como premissa de viabilidade a re-eleição do actual Presidente.

Lamento que a oferta de parte de uma rua de Lisboa a um promotor imobiliário (Rua Sidónio Pais) seja indiferente a certos lisboetas de esquerda.

Lamento que o nosso “velhinho das couves” se mantenha em silêncio nesta campanha eleitoral e não faça o seu desenho, sem intermediários, sobre o início do fim do seu corredor verde, do Parque EduardoVII até Monsanto.

Lamento que ele (Arq. Ribeiro Teles) já não nos fale e que, do fundo da sua enorme sabedoria e experiência das coisas urbanas, não nos alerte sobre a perigosa inclinação da torre oriental da Praça do Comércio.

Lamento que as Avenidas Novas tenham sido reduzidas pelos acessos aos parques de estacionamento privados.

Lamento que os lisboetas de esquerda tenham a memória curta e esqueçam os anteriores acordos de cavalheiros de há 12 anos que pré-determinaram a vitória do actual Presidente. O que aliás ainda hoje o obriga, na sua habitual frontalidade, a lembrar-nos constantemente a sua democrática eleição.

Lamento ter de dizer que não vem nas Escrituras que um político eleito para um cargo não tenha de realizar obra e, caso contrário, esse facto mereça, em Democracia, e só por si, o eterno voto dos lisboetas de esquerda. A Democracia é um processo dinâmico!

Lamento que o Poeta protegido pelas Deusas, Manuel Alegre, tenha de desbaratar o seu verbo na nobre solidariedade doméstica. E de igual forma, lamento que o leão da política portuguesa tenha renunciado ao seu faro único em nome do nobilíssimo amor familiar.

Nessa ordem de ideias será então de lamentar que a mesma defesa de tão nobres sentimentos familiares não seja extensiva à imaginativa família Portas?

Visto estarmos em boas famílias, e sendo a Democracia um processo dinâmico, não virá grande mal se, na doméstica Lisboa, a esquerda perder estas eleições autárquicas! Temos o direito de mudar de encenadores!