terça-feira, outubro 04, 2005

Arquive-se!

Há 11 meses o meu filho de 27 anos, feliz, saudável, em fase de realização profissional e pessoal, foi brutalmente assassinado nessa guerra civil que impera nas nossas estradas e que já produziu, em período de tempo comparável, um número de vítimas três vezes superior ao produzido pela Guerra Colonial. Ia acompanhado da namorada que, felizmente sobreviveu e mantém as suas capacidades físicas e mentais.

Ao fim de 11 penosos meses, fomos notificados da decisão do tribunal onde consta que o Sr. Procurador Adjunto se decidira pela arquivação do processo após audição exclusiva do arguido. Isto é, em fase de investigação para apuramento da verdade ouve-se apenas o arguido. Os outros intervenientes, os aspectos técnicos, indispensáveis para apuramento de responsabilidades, não existem para sua Excelência o Sr. Procurador Adjunto. Procurador Adjunto, aliás, que ainda não há muito tempo se chamava Delegado do Ministério Público.

Porque é que em vez de mudarem a designação não mudaram as pessoas? É o velho hábito português: quando algo está mal altera-se as designações dos cargos, cria-se ou altera-se a lei. Curar de a fazer cumprir é que não passa pela cabeça dos iluminados do país. Dá trabalho. Tal como dá trabalho uma investigação bem feita. Aliás, o advogado já me tinha prevenido de que esta é, quase sem excepções, a atitude destes tais funcionários públicos, agora designados Procuradores Adjuntos, pagos pelo contribuinte: arquive-se.

Foi assim no caso do atentado (tecnicamente provadíssimo) que vitimou altas personalidades deste país há 22(!) anos, foi assim no caso Aquaparque, foi assim no caso do semáforo do Campo Grande, foi assim no caso da Pedofilia na Casa Pia. Como não haveria de ser em casos com muito menos hipóteses de terem impacto mediático?

E para tão complexa decisão jurídica que lhes deve custar rios de suor, levam sempre o prazo máximo permitido pela lei. Tempo esse a que há a acrescentar as férias judiciais e outras que tais. Tudo magnificamente orquestrado para que, quando as vítimas ou os seus familiares puderem finalmente intervir, já tenha passado o prazo de prescrição. E o que é mais estranho (apetecia-me usar uma adjectivação mais contundente mas vou ficar-me pelo estranho) é que não há eco nos meios de comunicação social de alguma acusação contra estes senhores que deveriam, por obrigação, ser o recurso imparcial, competente e confiável para o cidadão desmunido.

Estão acima de tudo, até da comunicação social. Em que teias de interesses estará o país enredado para que nem nos casos envolvendo altas personalidades políticas do país, os correligionários partidários (com pouquíssimas excepções) se revoltem com a atitude (será negligente, corrupta, ou ambas?) destes novos deuses intocáveis? Será que estão à espera que os muitos milhares de familiares das vítimas tomem o caso em mãos e, por sua vez, arquivem também os ditos senhores? Sete palmos abaixo do solo. Junto das vítimas cujos direitos tanto negligenciam. Se tivermos de chegar a isso, será o país que ficará arquivado. Pelo menos enquanto Estado de Direito.

Dezembro 2002.